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| Dados obtidos pela RTÉ News mostram que atualmente há mais de 28.000 crianças na fila de espera para consultar um psicólogo da atenção primária. Foto: Banco de Imagens |
Novos dados divulgados pela RTÉ News (emissora pública da Irlanda, equivalente à TV Brasil) revelam uma situação alarmante: crianças em Dublin (capital da Irlanda) esperam até 13 anos para conseguir uma consulta com um psicólogo do Serviço de Psicologia da Atenção Primária.
Na Irlanda, o termo atenção primária se refere ao primeiro nível de atendimento público em saúde mental, voltado para casos leves e moderados, antes que o paciente precise ser encaminhado a serviços especializados.
O programa foi criado para oferecer apoio precoce a crianças com dificuldades emocionais e prevenir a evolução de quadros mais graves. Quando há necessidade de tratamento mais intenso, os casos são enviados ao Serviço de Saúde Mental Infantil e Adolescente (CAMHS), responsável pelos atendimentos de maior complexidade.
Segundo os dados mais recentes, mais de 28 mil crianças aguardam uma consulta psicológica na Irlanda, e 15 mil delas esperam há mais de um ano. Em agosto deste ano, o tempo de espera na região noroeste de Dublin chegou a 13 anos. O HSE (Health Service Executive, equivalente ao SUS irlandês) afirma que esse prazo foi reduzido para 10 anos, mas reconhece que o problema continua grave.
Famílias vivem anos de espera e sofrimento
Uma mãe, que preferiu não se identificar, contou à RTÉ News que sua filha autista passou cinco anos na fila de espera da psicologia da atenção primária e nunca chegou a ser atendida. Em crise, a menina acabou sendo encaminhada ao CAMHS.
“Ela tinha crises diárias, perdia a fala e o controle motor, e às vezes se tornava violenta. Foi desesperador. Acabamos levando-a ao hospital porque não sabíamos mais o que fazer”, relatou.
A menina foi transferida da lista de espera da psicologia para a Rede de Deficiência Infantil (programa que atende crianças com necessidades especiais, como autismo ou deficiência intelectual), mas ainda aguarda atendimento.
Situações semelhantes são comuns. Jaimie Williams, mãe de uma menina de quatro anos com sinais de autismo e TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade), foi informada de que sua filha terá de esperar seis anos por uma avaliação diagnóstica.
“Ela luta todos os dias para tentar viver uma vida normal. Se não fosse por nós, Deus sabe onde ela estaria”, desabafa. “Pesquiso terapias e diagnósticos por conta própria, porque não recebemos apoio. O diagnóstico só virá quando ela tiver uns dez anos, e isso é inacreditável.”
Especialistas alertam para colapso no sistema público
Psiquiatras irlandeses afirmam que o atraso no acesso a serviços psicológicos está sobrecarregando os atendimentos do CAMHS e agravando o sofrimento emocional das crianças.
A Dra. Patricia Byrne, presidente da Faculdade de Psiquiatria da Infância e Adolescência da Irlanda, afirma que a falta de psicólogos na atenção primária empurra milhares de casos para os serviços especializados, que já operam no limite.
“Há uma escassez total de profissionais e recursos. O sistema está negligenciando as crianças”, declarou.
Segundo ela, o subfinanciamento crônico, o crescimento da população jovem e o aumento dos transtornos mentais ampliaram a desigualdade entre a demanda e a capacidade de atendimento.
O Provedor de Justiça para Crianças, Dr. Niall Muldoon (figura semelhante ao defensor público para os direitos da infância no Brasil), classificou a situação como “inaceitável”.
“Uma criança que entra na lista aos cinco anos pode chegar à vida adulta sem ter sido atendida. Isso é um fracasso do sistema”, afirmou. “Esperar 13 anos não é uma fila de espera, é uma tragédia.”
Desigualdade social agrava a crise
A médica Sinéad Feeney, do Crescent Medical Centre em Galway (cidade no oeste da Irlanda), afirma que encaminhar crianças para o serviço público de psicologia muitas vezes não faz sentido, já que o tempo de espera é extremamente longo.
“Se você tem dinheiro, pode buscar atendimento particular. Se não tem, fica preso em um sistema sem saída”, lamentou.
De acordo com o HSE, existem 181 centros de atenção primária no país, mas nem todos contam com psicólogos. Atualmente, há apenas 200 profissionais atuando nesses serviços em toda a Irlanda.
O número de encaminhamentos para psicologia aumentou 62% entre 2017 e 2025, o que agrava a sobrecarga. O órgão reconhece que o crescimento da demanda e a escassez de profissionais continuam sendo grandes desafios.
Problema chega ao Parlamento irlandês
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| Deputado Liam Quaide, do partido Social Democrats. Foto: Irish Examiner |
O deputado Liam Quaide, do partido Social Democrats, afirmou que a crise “vem sendo ignorada há anos” e que foi agravada pelo congelamento de contratações no HSE entre 2023 e 2024.
“O problema afeta todas as regiões e especialidades, e não apenas a psicologia em Cork e Kerry (duas regiões no sul da Irlanda). Precisamos de uma resposta urgente e coordenada”, declarou.
Quaide solicitou que os Comitês Parlamentares de Saúde e de Deficiência realizem uma sessão conjunta para discutir a crise em profundidade.
Enquanto o governo busca soluções, milhares de famílias seguem presas em um sistema lento e fragmentado, sem acesso ao apoio psicológico essencial para o bem-estar e o desenvolvimento emocional das crianças.


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