Irlanda: Varadkar critica adiamento de referendo

Irlanda: Varadkar critica adiamento de referendo

Metrovoz
Varadkar diz que uma votação deve ser realizada mesmo que "sempre haja pessoas que não se reconciliem"
Varadkar diz que uma votação deve ser realizada mesmo que "sempre haja pessoas que não se reconciliem". Foto:Getty Images

O ex-primeiro-ministro da Irlanda, Leo Varadkar (cargo chamado Taoiseach em irlandês), acusou o governo de Dublin de impor uma barreira artificial à possibilidade de um referendo sobre a unificação da Irlanda.

Varadkar afirmou que o governo deveria já estar preparando uma votação para a fronteira entre a Irlanda e a Irlanda do Norte (parte do Reino Unido). Ele disse que o atual Taoiseach, Micheál Martin, condiciona qualquer diálogo sobre referendo a uma reconciliação total entre as comunidades nacionalista (maioria católica, favorável à unificação) e unionista (maioria protestante, favorável à permanência no Reino Unido). Para Varadkar, talvez essa reconciliação completa nunca seja alcançada.

“É nesse ponto que eu discordo de Micheál Martin”, declarou. “Sempre haverá pessoas que por diferentes razões não se reconciliarão. Ainda assim, isso não significa que não devamos tentar.”
Apesar das críticas, Varadkar reconhece que o momento não está pronto para fixar uma data para o referendo, mas insiste que é urgente iniciar planejamento e diálogo.

Heranças do conflito ainda dividem opiniões

No podcast Borderland,Reino Unido ou Irlanda Unida?, da BBC, dois ex-parlamentares com visões opostas discutem o futuro da Irlanda do Norte. De um lado, Ian Paisley, ex-deputado do DUP (Democratic Unionist Party, partido unionista pró-Reino Unido). Do outro, Michelle Gildernew, ex-deputada do Sinn Féin (partido nacionalista que defende a unificação da Irlanda).

Embora o debate tenha foco no futuro institucional, as feridas históricas permanecem vivas. Em conversa acalorada, Gildernew sugeriu que certos assassinatos cometidos durante o conflito poderiam ser vistos como justificáveis. Perguntada sobre a atuação violenta do IRA (Exército Republicano Irlandês), afirmou: “Gostaria que nada disso tivesse acontecido, mas o exército britânico trouxe a guerra para nossas ruas.”

A declaração gerou controvérsia, especialmente porque tanto ela quanto Jamie Bryson, ativista lealista (favorável à permanência da Irlanda do Norte no Reino Unido), disseram acreditar que alguns assassinatos feitos no passado tiveram justificativa, do ponto de vista deles.

O programa mostra também como tensões culturais persistem: há aulas de língua irlandesa, ensaios de bandas legalistas (ligadas à tradição britânica), desfiles e outras manifestações simbólicas que reforçam identidades diferentes.

Direito ao referendo está garantido por acordo internacional

O referendo de unificação está previsto no Acordo da Sexta‑Feira Santa (Good Friday Agreement, tratado de paz de 1998 que encerrou décadas de conflito conhecido como The Troubles). Esse plebiscito só pode ser convocado pelo Secretário de Estado da Irlanda do Norte, se houver fortes indícios de que a maioria da população deseja deixar o Reino Unido e unir‑se à República da Irlanda.

Hoje, pesquisas mostram que a maioria prefere continuar no Reino Unido. No entanto, nacionalistas dizem que essa diferença está diminuindo. Michelle Gildernew sustenta que esse sentimento popular deveria ser medido, de fato, nas urnas. “É um direito”, ela afirma, lembrando que o acordo foi aprovado pela maioria na ilha da Irlanda.

Ian Paisley, embora firme em sua visão unionista, declarou que está aberto ao diálogo. Ele disse acreditar na autodeterminação, mas rejeita o uso da força caso não obtenha resultados legítimos.

Identidade e pertencimento em jogo

Paisley declarou que, mesmo se a Irlanda do Norte deixasse de fazer parte do Reino Unido, ele permaneceria. “Tenho raízes profundas neste lugar. O sangue do meu tataravô está neste solo. Este é o meu país, e não vou embora nunca”, afirmou.

Ele ressaltou que não se considera “um ‘inglêszinho’ fechado ao mundo”, mas sim um homem de Ulster(Província histórica localizada no norte da Irlanda, com nove condados) que se orgulha de ser britânico.

Apesar do tema delicado, figuras como o Taoiseach Micheál Martin e Hilary Benn (Secretária de Estado da Irlanda do Norte) rejeitaram participar do podcast. Fontes próximas disseram que Martin não quis envolver‑se diretamente, enquanto Benn alegou que não desejava parecer parcial em um debate sobre identidade britânica.

O Escritório da Irlanda do Norte (NIO), órgão governamental, divulgou nota afirmando: “A Irlanda do Norte permanecerá parte do Reino Unido enquanto isso for a vontade da sua população, conforme estipula o Acordo da Sexta‑Feira Santa”.

Paisley criticou essa posição, dizendo que um Secretário de Estado do Partido Trabalhista jamais será um defensor real da União.

O que é o DUP e o Sinn Féin

DUP (Democratic Unionist Party): partido conservador da Irlanda do Norte, composto maioritariamente por unionistas protestantes, que defendem que a Irlanda do Norte continue parte do Reino Unido.

Sinn Féin: partido nacionalista de esquerda, presente tanto na República da Irlanda quanto na Irlanda do Norte, que busca unificação política da ilha da Irlanda sob governo único. Historicamente associado ao IRA (grupo paramilitar do passado), atualmente atua pelo processo democrático.